Nós, periféricos da cidade mais violenta da Amazônia, a
maioria negros, sobrevivemos com muito esforço em tempos normais. Nós,
ribeirinhos expulsos por Belo Monte, costumávamos receber tudo da floresta.
Hoje estamos confinados em Reassentamentos Urbanos Coletivos (RUCs) nas
periferias da cidade, ameaçados pela fome e pela doença, enquanto esperamos um
reassentamento no reservatório da usina que nunca acontece. Nós, indígenas
desaldeados, empurrados para as margens da cidade por aquilo que vocês chamam
“progresso” e nós chamamos “morte”, temos ainda menos resistência a todas as
doenças que vocês já trouxeram até nós.
Nós, pobres expulsos de nossas casas perto do centro da
cidade, onde ganhávamos a vida com dureza mas também com possibilidade, fomos
jogados nos RUCs onde seguidamente passamos semanas sem nem mesmo água nas
torneiras. Nós, que ainda moramos ao redor da Lagoa que, desde a construção de
Belo Monte, transborda nas chuvas invadindo nossas casas com até metros de
esgoto e de lixo, lutamos contra todos os vírus e bactérias e ainda contra a
fome que nos engole um pouco por dia. Agora, estamos ameaçados também por uma
pandemia.
Nós somos homens e mulheres que ganhavam a vida com bicos e
que desde o aparecimento do novo coronavírus não temos mais para quem vender
nossos pasteis, nossas tapiocas e também nossa força de trabalho, sempre
alugada a preço de quase escravo, porque já não podemos andar nas ruas. Nós
somos adultos e somos crianças trancados dentro de casas apertadas demais,
muitas sem saneamento básico, num calor de mais de 30 graus e com a comida
desaparecendo. Nós somos os desesperados da nova peste.
Nós, mulheres e homens, adultos e crianças de Altamira,
enfrentamos, neste momento, um surto de dengue que abala ainda mais nossos
corpos subnutridos. E enfrentamos tudo isso num sistema de saúde pública que
não recebe recursos suficientes para enfrentar nem mesmo as doenças mais
básicas. Nós já morríamos das gripes comuns.
Nós, periféricos de Altamira e refugiados de Belo Monte,
vivemos dia após dia na catástrofe. Nosso normal é brutal. Até hoje, a maioria
de nós sobreviveu ao genocídio silencioso porque, apesar de nossos corpos
arrebentados por todas as violências, nos recusamos a desistir. Desta vez,
porém, não conseguiremos sozinhos.
A campanha pretende inicialmente arrecadar 40 mil para
custear 200 cestas básicas + produtos de limpeza para 200 famílias em
extrema vulnerabilidade mapeadas inicialmente pelo Movimento Xingu Vivo
Para Sempre, Movimento dos Atingidos Por Barragens , Coletivo de Mulheres
Negras Maria Maria, Movimento de Mulheres Trabalhadora do Campo e Cidade
e Centro de formação do Negro e Negra da Transamazônica e Xingu. Parte dos
alimentos dessa cesta serão adquiridos juntos a agricultores familiares e
ribeirinhos da região.
Brasis, ajudem-nos a não morrer.
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