sexta-feira, 3 de abril de 2020

A Inversão Pedagógica


A INVERSÃO PEDAGÓGICA

* José Roberto Prates

A inversão pedagógica não é tão fácil de explicar nem de aplicar. Inclusive a aplicação dificilmente ocorre como planejada, quase sempre sofre flexibilização do planejamento durante a aplicação, dependendo da interação com os educandos, num processo de aprendizagem ativa.
Algo de interessante na pedagogia invertida é que esta não vem para facilitar a vida do professor, educador, moderador ou pesquisador cartógrafo, conforme a denominação adotada ao facilitador do processo de aprendizagem, mas sim potencializar o processo de aprendizagem e fazer com que tal processo seja mais eficiente e tenha mais eficácia, conforme demandas da contemporaneidade dos novos tempos de nossas sociedades, com dinâmicas totalmente diferenciadas, exigindo assim adequações de lugar a lugar, de comunidade a comunidade, tanto urbanas como rurais.
Assim como afirmou na aula inaugural deste Curso, em 13 de novembro de 2018, a professora Dra. Raquel Lopes, não por acaso a coordenadora desta especialização, que a pedagogia invertida é um processo de ensino-aprendizagem COM a comunidade e não PARA a comunidade. Entender tal relação entre o COM e o PARA é fundamental como estratégia da inversão pedagógica. Mas não apenas isso.
Assim, a flexibilidade do planejamento das aulas é outro diferencial também relevante, inclusive porque a interação dos educandos na aplicação dos conteúdos planejados, pode interferir no planejamento da aula, possibilitando sua modificação, conforme a demanda apresentada durante a aula. Como isso não pode ser previsto com antecedência, estimula que o professor, como educador cartógrafo, no planejamento da aula, tente imaginar possíveis cenários de futuro, o que não é nada fácil, muito pelo contrário, é uma das dificuldades do processo de planejamento da aula invertida, mas que pode ser considerado “ossos do ofício”, ou um desafio ao educador de tentar prever o futuro, que pode ser mais ou menos difícil conforme o seu conhecimento da comunidade, dos educandos e seus modos de vida. Mas é certo que o planejamento da aula se torna mais desafiador, devendo já prever alguma flexibilidade. Isso ou aquilo, ou nenhuma coisa nem outra.
Por conceito de nossa própria autoria, considera-se o educador cartógrafo, aquele educador social que orienta qualquer conteúdo baseado numa visão holística, multidisciplinar, relacionando a aprendizagem como processo de subjetivação e produção de mundos, não com regras rígidas, mas com a flexibilidade inerente ao desenho da leitura do território da comunidade em que vivem seus alunos.
No planejamento das aulas invertidas, incluir atividades onde os educandos estejam diretamente envolvidos, ocupando o aluno de alguma maneira é sempre saudável, tanto falando, cantando, dançando, ouvindo, vendo, assistindo, jogando, movimentando e fazendo algum ruído. Um pouco de barulho contribui com a inversão pedagógica. Também pode o educando estar escrevendo, desenhando ou pintando, onde a intervenção do educador seja menos importante ou influente que a ação dos próprios alunos, oferecendo maior protagonismo dos educandos no processo de aprendizagem, principalmente quando se trata de conteúdo envolvendo conhecimento e/ou informação da própria comunidade, relativo a qualquer ciência ou técnica. Isto por considerar, que tanto as técnicas quanto as ciências presentes no conteúdo das disciplinas, ocorrem sempre no cotidiano da comunidade e em situações específicas pode e deve ser aproveitada a vivência dos próprios educandos e seus familiares na discussão e internalização de um conhecimento componente do conteúdo em estudo num curso em andamento, em qualquer grau da educação, do ensino básico ao médio, tanto em comunidade rural ou urbana, cabendo ao educador cartógrafo identificar a melhor maneira de inserir tais vivências no planejamento da aula invertida.
As tecnologias também são alvos importantes no planejamento, tanto como tarefas para os alunos, como o próprio educador realizar a produção de áudios (entrevistas ou depoimentos próprios ou de terceiros) ou áudio visuais (vídeos caseiros de curta duração, com ou sem edição), expondo os assuntos em estudo, subsídios de debates ou rodas de conversas na sala ou em momentos extra sala de aula. Cabendo ao educador cartógrafo programar tais tarefas com o devido tempo de antecedência para permitir que sejam produzidas essas tarefas, que são possíveis pela presença cada vez mais frequente dos smartfone, iphone, tablets, ou similares ao alcance dos educando tanto nas cidades como na zona rural e os aplicativos cada vez mais acessíveis e fáceis de operar, independente da idade ou grau de instrução dos educandos.
Fator relevante é a solidariedade entre os educandos tanto em sala de aula como fora dela, ajudando-se mutuamente com trocas de informações, diálogos envolvendo os colegas e o educador cartógrafo, que deve incentivar tais diálogos, inclusive inserindo-as no próprio planejamento. O lugar de fala de cada aluno buscando as respostas dos colegas deve ser estimulado e disponibilizado parte do tempo das aulas para isto. Temos comprovado cada vez mais que quanto mais se fala, mais se apreende determinada informação. Sendo aconselhável que os educandos falem mais sobre os assuntos dos conteúdos curriculares, para que os internalizem e os tornem conhecimento assimilado.
Fundamental na pedagogia invertida é o educador cartógrafo ter a mente aberta para mudanças de rumo durante a aula, exigindo criatividade para adotar outras providências, ou por iniciativa própria ou por sugestão dos educandos, quando alguma coisa prevista no planejamento não acontece como imaginado ou surge outra possibilidade de abordagem, se dispor a flexibilizar o planejamento e experimentar o método cartográfico de seguir pistas em vez de manter regras rígidas, considerando que uma aula pela pedagogia invertida não é um jogo de regras pré-determinadas, que não podem ser mudadas depois do jogo iniciado, uma aula pela pedagogia invertida pode sim mudar de regra durante a aula, com o consentimento dos educandos e avaliando-se que ao seguir novas pistas, o resultado da apresentação do conteúdo poderá ser ampliado, com a obtenção de maior aproveitamento no aprendizado pelos educandos na assimilação das informações do conhecimento em pauta, e possivelmente com maior protagonismo destes no processo de aprendizagem.
O educador cartógrafo precisa ter paciência e tolerância com as críticas, indecisões e indagações dos educandos e outros da comunidade com os procedimentos e inovações adotados no processo de execução das aulas, considerando que não é de uma hora para outra que se mudará um padrão de escola e sala de aula de método rígido enraizado na memória dos educandos e suas famílias das populações dos territórios.
Considera-se também que o processo de aprendizagem na sala de aula invertida não ocorre somente na sala de aula. O planejamento de cada aula, deve considerar também as próximas aulas, bem como o intervalo entre uma aula e outra. Os alunos devem também entender que nesta pedagogia, a alternância entre as aulas na escola e a vivência fora da sala de aula, se interligam, que o conhecimento ocorre em todos os espaços e em todos os momentos, às vezes com maior eficiência, fora da sala da aula, devendo o educando estar atento e compreender que o processo de aprendizagem pela pedagogia invertida ocorre num período contínuo de vivência, também com a família, no trabalho, no lazer, na igreja, no caminho da escola para casa ou da casa para a escola. E que as vivências devem ser devolvidas pelo educando na próxima aula para os colegas e para o professor, relacionadas ao conteúdo em estudo. Um dos motivos do processo de pedagogia invertida receber a denominação de aprendizagem ativa.
Na pedagogia invertida, o uso de tecnologia e comunicação eletrônica é frequente, E-mails trocados entre professor e alunos, e, entre os próprios alunos, postagens em grupo de WhatsApp, grupos no Facebook, pesquisas no Google, Wikipédia e outras fontes virtuais, inclusive livros no formato e-book, tudo acessível no aparelho celular onde tem sinal de internet, via wifi ou dados móveis.
Falam por si, os infográficos apresentados pelo professor Luís Antônio Schneiders, na publicação O Método da Sala de Aula invertida (flipped classroom), na Coletânea Cadernos Pedagógicos: Metodologias Ativas de Aprendizagem de 2018, da CETEC - UNIVATES, a seguir, que nos dá uma razoável dimensão da retenção de aprendizado de conteúdo, em comparação com outros métodos de ensino.

OBS: AS FIGURAS 1, 2 E 3 SEGUEM NA PUBLICAÇÃO A SEGUIR.



FIGURA 1 -  O MÉTODO DA SALA DE AULA INVERTIDA (FLIPPED CLASSROOM) – PÁGINA 8

            Fonte: Luís Antônio Schneiders.




FIGURA 2 – PLANEJAMENTO E ALTERNÂNCIA




FIGURA 3 - O MÉTODO DA SALA DE AULA INVERTIDA (FLIPPED CLASSROOM) – PÁGINA 12



Analisando comparativamente o método pedagógico tradicional versus o método da pedagogia invertida, afirma-se então, que no sistema tradicional, rígido, onde o papel do professor se assemelha mais a um palestrante repassador de conhecimento para os alunos, os resultados têm sido pouco efetivos em aprendizagem, com baixa retenção de conhecimento e desmotivador, com excesso de evasão e repetência. Figura 1
...Por favor! Quando os sujeitos são outros,
A pedagogia precisa ser outra!
A pedagogia precisa entender
a realidade teórica dos movimentos sociais
A pedagogia precisa respeitar
Outra concepção de mundo,
Sujeitos e Relações Sociais”
(Prates, 2019)
Então, com a pedagogia invertida, tem-se buscado construir uma nova “professoralidade”, em virtude da mudança do papel do professor nesta inversão, na qual não é o professor que ensina, mas sim o processo pedagógico, animado, coordenado, monitorado, mas não protagonizado pelo professor, onde o professor também aprende com o processo, com a comunidade com a vivência do alunado, construindo sua própria professoralidade.
Tempos de repolitizados processos de opressão. Tempos de reaprender com Paulo Freire o que ele aprendeu: deixar-nos interrogar pelos Oprimidos, por suas Pedagogias de Oprimidos. Aprender que os Oprimidos resistem à opressão e resistindo se humanizam. Se educam e educam o Estado opressor. Educam a Política. Educam a sociedade opressora. Educam o pensamento pedagógico. Educam a Educação. Como Educadores e Educadoras deixemo-nos não só interrogar, deixemo-nos educar pelos Oprimidos. (Arroyo, 2019)
Da leitura de Arroyo (2019), acredita-se que aprender e exercitar o método da pedagogia invertida, possibilita ampliar o acúmulo do aprendizado nos educandos em nossas escolas, nos diversos níveis de ensino, considerando que a “flipped classroom”, como é conhecida a “sala de aula invertida”, ou a inversão pedagógica, consiste em transformar os meios tecnológicos mais usados pelos estudantes em favor do aprendizado, do professor propor um plano de aula e o divulgar com antecedência aos alunos, para que eles o estudem fora da sala de aula, sozinhos ou em grupo, e na aula propriamente dita, sejam tiradas as duvidas, ou sejam realizados exercícios do aprendizado, ou ainda dos alunos apresentarem seus pontos de vista sobre o tema estudado. E na aula o professor interage com os educandos, tirando dúvidas, avaliando na aula as ideias apresentadas pelos alunos. Figura 2.
Um mérito considerado deste método pedagógico é o trabalho colaborativo, onde a informação compartilhada entre os alunos, adicionada ao conhecimento do professor potencializa os horizontes do aprendizado, em função da soma das informações disseminadas durante a aula oferecer como resultado maior contemplação sobre o tema exposto, (http://canaldoensino, 2020).
Porém, para assegurar o êxito da inversão pedagógica como método, algumas regras devem ser aplicadas, particularmente relativas ao foco no tema proposto, na mediação de conflitos na divergência de ideias, bem como ao tempo de exposição de pontos de vista sobre o assunto, tanto pelos alunos como pelo professor. Entre outros, alguns benefícios que podem ser elencados do método da inversão pedagógica, alguns já observados nos infográficos acima expostos, principalmente na figura 3.
a)      Eliminar a rotina na turma,
b)      Contribuir com a integração,
c)      Dinamizar as aulas,
d)     Ampliar a autoestima dos alunos,
e)      Usar as tecnologias a favor da concentração no tema em estudo,
f)       Proatividade e participação em sala de aula
g)      Ampliar do interesse dos estudantes,
h)      Aumentar o protagonismo dos alunos,
i)        Maior retenção de aprendizado.

Para tanto, o gerenciamento do método exige grande atenção do professor, começando pelo planejamento da aula, mas também na orientação para as tarefas extra classe dos educandos. por exemplo: desafiando o aluno a produzir de forma simples, em poucas palavras, algum material sobre o conteúdo apresentado, um áudio, um vídeo, ou um pequeno texto, com o que apreendeu do assunto estudado. O desafio pode ir além, com o aguçamento da criatividade, sugerindo a criação ou adaptação de jogos ou passatempos.
Como abordado anteriormente, o apoio da tecnologia é uma das principais características da inversão pedagógica, com criatividade, dinâmica, uso de redes sociais, sites temáticos, ou mesmo games e quizzes (Palavras-Cruzadas, Caça Palavras, Anagramas, Quebra-Cabeças, Passatempos, etc), voltados à promoção da educação, ensino com união, cooperação solidariedade, motivação e criatividade.
O plano de aula é essencial, inclusive considerando possibilidades de improvisos, de forma a possibilitar maior captação e transferência de informação, considerando um único tema ser analisado e discutido sob variados pontos de vista e gerando argumentação ativa e multifocal, onde o autoritarismo se desfaz em detrimento do respeito, da amizade e solidariedade, processo no qual o papel do professor é de coleguismo associado à liderança. Assim tal plano de aula deve considerar:
a)      Definição de tema;
b)      Referências teóricas;
c)      Planejamento de recursos a usar na aula;
d)     Quais redes sociais serão utilizadas;
e)      Comunicação aos educandos sobre a dinâmica extra classe e na sala de aula;
f)       Buscar colaboração dos pais dos alunos caso sejam crianças;
g)      Desafio em redes sociais, sobre as reflexões e analises extra classe sobre o tema;
h)       Incentivo aos alunos para abordar em sala de aula suas ideias sobre o tema
i)        Fixação de tempo que cada aluno terá para expor sua ideia em sala de aula;
j)        Sobre cada aula: refletir, nortear, considerar e registrar.




CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando como desafios da educação no Brasil contemporâneo, numa conjuntura sombria, com um governo confuso entre as dubiedades da democracia líquida, considerada até mesmo como uma sociedade da pós verdade, outras professoralidades precisam ser experimentadas, bem como outras pedagogias exercitadas, por termos outros sujeitos compondo mesmas turmas, em face da heterogeneidade dos públicos estudantis nos nossos territórios, desde faixas etárias diferenciadas, origens étnicas e níveis de rendas diversos, considera-se ainda que:
Somos sujeitos coletivos, classes sociais! Por favor
Exercitemos a pedagogia do oprimido
A opressão existe, insiste, persiste
Como sujeitos devemos insistir, não desistir
Exercitemos a pedagogia da indignação
Contra a brutalidade da realidade social
Os movimentos sociais conscientes crescem
Mas a violência do capital é desproporcional
(Prates, 2019)

Assim, a sala de aula invertida se coloca como opção pedagógica, oportunizando as alternâncias entre o tempo escola e tempo comunidade, o diálogo entre a família e outros espaços de vivência no território, como religião, lazer, trabalho e outras vivência comunitária, proporcionando possibilidades de aprendizado com a própria realidade, que deve ser explorado no planejamento das aulas pelo professor, que deve se aproveitar dos elementos da vivência dos alunos e suas famílias em comunidade no processo de ensino aprendizagem pelo método da inversão pedagógica.



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS
ARROYO, Miguel, Imagens Quebradas , Trajetórias e Tempos de Alunos e Mestres, Petrópoles: Vozes, 2009
__________, PAULO FREIRE: UM OUTRO PARADIGMA PEDAGÓGICO? Educação em Revista, Belo Horizonte - MG, UFMG, 2019, Disponível em http://educacaoemrevistaufmg.com.br/?artigo=paulo-freire-outro-paradigma-pedagogico Acessado em 15.10.2019
OLIVEIRA, Grasiela Lima de, FREIXO, Alessandra Alexandre, A Vida, o Campo e a Cidade em Alternância: Docentes do Campo Construindo suas Professoralidades, in TP. pens_ed.2019. Vol14. N38.pp179-196, disponível em https://interin.utp.br/index.php/a/article/view/2138 Acessado em 19.12.2019
PASSOS Eduardo, KASTRUP, Virgínia, ESCÓSSIA, Liliana da, Pistas do Método da Cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade, UFRGS, Porto Alegre – RS: Editora Sulina, 2009
PRATES, José Roberto, Já dizia Miguel Arroyo: por favor pedagogia, Poema, Altamira, Coletivo Poetas Marginais, 2019
SCHNEIDERS, Luís Antônio, O Método da Sala de Aula invertida (flipped classroom), Coletânea Cadernos Pedagógicos, Lajeado – R.S, CETEC – UNIVATES, 2018



* O autor produziu este texto como parte da monografia de conclusão do curso de Pós Graduação, latu sensu, de Especialização “Educação por inversão pedagógica: inclusão para emancipação de territórios socioeducativos na Transamazônica e Xingu”, oferecido pela Faculdade de Etnodiversidade da UFPA – Campus Altamira, concluído em março de 2020.

2 comentários:

  1. Muito bom seu texto Zé Roberto. Entender a educação como um processo de construção do conhecimento a partir das vivências do educando e de fato entender a proposta da pedagogia invertida.

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  2. Obrigado Helenilse, pelo seu comentário. Tentando elaborar um pouco a relação entre a vivência e o aprendizado.
    Aquele provérbio: "Vivendo e aprendendo" é a pura realidade.

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