quinta-feira, 2 de abril de 2020

BATUQUE X NEGRA FULÔ (Bruno de Menezes X Jorge de Lima)


Universidade Federal do Pará – UFPA
Faculdade de Etnodiversidade
Pós graduação latu senso: Educação por inversão pedagógica: Inclusão para emancipação de territórios socioeducativos na Transamazônica e Xingu
Disciplina: A literatura marginal da Amazônia
Docente: Prof. Dr. Paulo Vieira
Discente: Jose Roberto Rodrigues Prates

Reflexões sobre os poemas Essa Negra Fulô (Jorge de Lima) e Batuque (Bruno de Menezes)

Primeiramente podemos considerar muito prazeiroso realizar uma reflexão sobre dois poemas de dois magistrais autores com um tema à respeito da negritude feminina. Nos referimos ao prazer, principalmente pela qualidade desses versos.
Ambos autores nasceram no mesmo ano, 1893 e no período que atuaram com literatura o modernismo veio a predominar como estilo literário. Inclusive o período mais importante da história brasileira para as artes, não só para a literatura, mas também para outras modalidades artísticas como a pintura e escultura, lembrando Oswald de Andrade, Di Cavalcante, Anita Malfatti que se destacaram no evento da semana de arte moderna de fevereiro de 1922.
Assim, ambos beberam da influência dos modernistas paulistas, principalmente o Jorge de Lima que era Deputado Federal na época, atuando no Rio de janeiro. Bruno de Menezes na sua juventude encadernador gráfico, articulava com os jovens belenenses, “a academia ao ar livre”, com os “Vândalos do Apocalipse” e posteriormente a “Academia do Peixe Frito”, quando discutia com outros literatos paraenses, a exemplo de Dalcidio Jurandir, inovações na literatura, e numa situação relativamente avançada, tanto que os autores paulistanos e cariocas, tidos como a vanguarda do modernismo, vieram para Belém trocar experiências literárias com Bruno de Menezes e seus colegas da literatura.
Assim, entre Batuque e A Nega Fulô, um dos pontos que se observa com relevância é a diferença entre o papel da negritude ressaltada nos poemas, enquanto que em Batuque a diversão das negras dançando e aplicando perfumes de cheiros e sua frequência em festas, n’Essa Negra Fulô, o trabalho e a exploração da escrava nos serviços domésticos e de atenção e cuidados pessoais da Sinhá.
“Ô Fulô! Ô Fulô
(Era a fala da Sinhá)
-- Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!”

Estes versos do Essa Negra Fulô se diferenciam substancialmente dos versos do Batuque:
Rufa o batuque na cadência alucinante
do jongo do samba na onda que banza.
Desnalgamentos bamboleios sapateios, cirandeios
cabindas cantando lundus das cubatas.

Patichouli cipó-catinga priprioca
Baunilha pau-rosa orisa jasmim.
Gaforinhas riscadas abertas ao meio,
Crioulas mulatas gente pixaim...

Da mesma forma que os autores, nestes dois poemas se diferenciam relativo a alguns aspectos da vida da negritude, por outro lado se assemelham noutros, particularmente relativo à sensualidade e beleza das afrodescendentes, como se pode deduzir dos seguintes versos de ambos poemas:

O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.

E rola e ronda e ginga e tomba e funga e samba, 
a onda que afunda na cadência sensual. 
O batuque rebate rufando banseiros, 
As carnes retremem na dança carnal!...

Relativo a qualidade literária, ouvi de um leitor que “gosto não se discute”, entretanto, devido à popularidade, impertinência, disposição para se indispor contra o sistema escravocrata, pelo menos no Batuque são citados cinco dos maiores expoentes da abolição e defesa dos negros no Brasil como princesa Izabel, que assinou a lei Áurea, José do Patrocínio e Joaquim Nabuco, lideranças do movimento abolicionista, Visconde do Rio Branco, autor da lei do Ventre Livre e Eusébio de Queiroz autor das lei que proibiu o tráfico de escravos e lei do Sexagenário, pela atitude progressista e engajada, deveria ser mais publicada e conhecida que o poema do Jorge de Lima, que se refere a  humilhação e açoite da escrava, acusada injustamente de ter roubado as joias e o perfume da sinhá, e no entanto, Essa Negra Fulô é um dos poemas brasileiros mais publicados, mais estudados, mais citados, embora seu autor, um médico e político sisudo, como Jorge de Lima, o oposto do operário de editora, poeta marginal, frequentador de botequim e da feira do ver o peso, vândalo do apocalipse e adepto da academia do peixe frito, amigo de contestadores como Dalcídio Jurandir.
Creio que talvez seja o caso divulgarmos mais o Batuque, inserí-lo em redes sociais, para fazer tanto o poema como seu autor mais conhecidos, para maior estímulo à publicação deste poema, sugerir sua inclusão em provas como o ENEM e incentivar sua declamação nos saraus de poesia marginal que ocorrem com frequência aqui na cidade de Altamira.
Altamira(PA), 27 de julho de 2019

Referência Bibliográficas

A INTEGRA DOS POEMAS COMPARADOS ACIMA

BATUQUE
                                              Bruno de Menezes
“Nêga qui tu tem?
Maribondo Sinhá!
Nêga qui tu tem?
Maribondo Sinhá!”

Rufa o batuque na cadência alucinante
do jongo do samba na onda que banza.
Desnalgamentos bamboleios sapateios,
cirandeios cabindas cantando lundus das cubatas.

Patichouli cipó-catinga priprioca
Baunilha pau-rosa orisa jasmim.
Gaforinhas riscadas abertas ao meio,
crioulas mulatas gente pixaim...

“Nêga qui tu tem?
Maribondo Sinhá!
“Nêga qui tu tem?
Maribondo Sinhá!

Sudorancias bunduns mesclam-se intoxicantes
no fartum dos suarentos corpos lisos lustrosos.
Ventres empinam-se no arrojo da umbigada,
as palmas batem o compasso da toada.

“Eu tava na minha roça
maribondo me mordeu!...”

Ó princesa Izabel! Patrocínio! Nabuco!
Visconde do Rio Branco!
Euzébio de Queiroz!

E o batuque batendo e a cantiga cantando
lembram na noite morna a tragédia da raça!

Mãe Preta deu sangue branco a muito “Sinhô moço”...

“Maribondo no meu corpo!
Maribondo Sinhá.!

Roupas de renda a lua lava no terreiro,
um cheiro forte de resinas mandigueiras
vem da floresta e entra nos corpos em requebros.

“Nêga qui tu tem
Maribondo Sinhá!
Maribondo num dexa
Nêga trabalha!...”

E rola e ronda e ginga e tomba e funga e samba,
a onda que afunda na cadência sensual.
O batuque rebate rufando banseiros,
as carnes retremem na dansa carnal!...

“Maribondo no meu corpo!
Maribondo Sinhá!
É por cima é por baxo!
E por todo lugá!”
                                                                            (MENEZES, 2005, p. 19-20)


ESSA NEGA FULÔ
                                                      Jorge de Lima

Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!


— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)

Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!


Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!

O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?
https://viciodapoesia.com/2011/02/03/essa-nega-fulo-e-outros-poemas-de-jorge-de-lima-1895-1953/

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