Universidade
Federal do Pará – UFPA
Faculdade
de Etnodiversidade
Pós
graduação latu senso: Educação por inversão pedagógica: Inclusão para
emancipação de territórios socioeducativos na Transamazônica e Xingu
Disciplina:
A literatura marginal da Amazônia
Docente: Prof.
Dr. Paulo Vieira
Discente: Jose
Roberto Rodrigues Prates
Reflexões
sobre os poemas Essa Negra Fulô (Jorge de Lima) e Batuque (Bruno de Menezes)
Primeiramente
podemos considerar muito prazeiroso realizar uma reflexão sobre dois poemas de
dois magistrais autores com um tema à respeito da negritude feminina. Nos
referimos ao prazer, principalmente pela qualidade desses versos.
Ambos
autores nasceram no mesmo ano, 1893 e no período que atuaram com literatura o
modernismo veio a predominar como estilo literário. Inclusive o período mais
importante da história brasileira para as artes, não só para a literatura, mas
também para outras modalidades artísticas como a pintura e escultura, lembrando
Oswald de Andrade, Di Cavalcante, Anita Malfatti que se destacaram no evento da
semana de arte moderna de fevereiro de 1922.
Assim,
ambos beberam da influência dos modernistas paulistas, principalmente o Jorge
de Lima que era Deputado Federal na época, atuando no Rio de janeiro. Bruno de
Menezes na sua juventude encadernador gráfico, articulava com os jovens
belenenses, “a academia ao ar livre”, com os “Vândalos do Apocalipse” e
posteriormente a “Academia do Peixe Frito”, quando discutia com outros
literatos paraenses, a exemplo de Dalcidio Jurandir, inovações na literatura, e
numa situação relativamente avançada, tanto que os autores paulistanos e
cariocas, tidos como a vanguarda do modernismo, vieram para Belém trocar
experiências literárias com Bruno de Menezes e seus colegas da literatura.
Assim,
entre Batuque e A Nega Fulô, um dos pontos que se observa com relevância é a
diferença entre o papel da negritude ressaltada nos poemas, enquanto que em
Batuque a diversão das negras dançando e aplicando perfumes de cheiros e sua
frequência em festas, n’Essa Negra Fulô, o trabalho e a exploração da escrava
nos serviços domésticos e de atenção e cuidados pessoais da Sinhá.
“Ô Fulô! Ô Fulô
(Era a fala da Sinhá)
-- Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!”
Estes
versos do Essa Negra Fulô se diferenciam substancialmente dos versos do
Batuque:
Rufa o batuque na cadência alucinante
do jongo do samba na onda que banza.
Desnalgamentos bamboleios sapateios,
cirandeios
cabindas cantando lundus das cubatas.
Patichouli cipó-catinga priprioca
Baunilha pau-rosa orisa jasmim.
Gaforinhas riscadas abertas ao meio,
Crioulas mulatas gente pixaim...
Da mesma forma que os autores, nestes
dois poemas se diferenciam relativo a alguns aspectos da vida da negritude, por
outro lado se assemelham noutros, particularmente relativo à sensualidade e
beleza das afrodescendentes, como se pode deduzir dos seguintes versos de ambos
poemas:
O Sinhô
foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.
E rola e ronda e ginga e tomba e funga e
samba,
a onda que afunda na cadência sensual.
O batuque rebate rufando banseiros,
As carnes retremem na dança carnal!...
a onda que afunda na cadência sensual.
O batuque rebate rufando banseiros,
As carnes retremem na dança carnal!...
Relativo a
qualidade literária, ouvi de um leitor que “gosto não se discute”, entretanto,
devido à popularidade, impertinência, disposição para se indispor contra o
sistema escravocrata, pelo menos no Batuque são citados cinco dos maiores
expoentes da abolição e defesa dos negros no Brasil como princesa Izabel, que
assinou a lei Áurea, José do Patrocínio e Joaquim Nabuco, lideranças do
movimento abolicionista, Visconde do Rio Branco, autor da lei do Ventre Livre e
Eusébio de Queiroz autor das lei que proibiu o tráfico de escravos e lei do
Sexagenário, pela atitude progressista e engajada, deveria ser mais publicada e
conhecida que o poema do Jorge de Lima, que se refere a humilhação e açoite da escrava, acusada
injustamente de ter roubado as joias e o perfume da sinhá, e no entanto, Essa
Negra Fulô é um dos poemas brasileiros mais publicados, mais estudados, mais
citados, embora seu autor, um médico e político sisudo, como Jorge de Lima, o
oposto do operário de editora, poeta marginal, frequentador de botequim e da
feira do ver o peso, vândalo do apocalipse e adepto da academia do peixe frito,
amigo de contestadores como Dalcídio Jurandir.
Creio que
talvez seja o caso divulgarmos mais o Batuque, inserí-lo em redes sociais, para
fazer tanto o poema como seu autor mais conhecidos, para maior estímulo à
publicação deste poema, sugerir sua inclusão em provas como o ENEM e incentivar
sua declamação nos saraus de poesia marginal que ocorrem com frequência aqui na
cidade de Altamira.
Altamira(PA),
27 de julho de 2019
Referência
Bibliográficas
A INTEGRA DOS POEMAS COMPARADOS
ACIMA
BATUQUE
Bruno
de Menezes
“Nêga
qui tu tem?
Maribondo
Sinhá!
Nêga
qui tu tem?
Maribondo
Sinhá!”
Rufa
o batuque na cadência alucinante
do
jongo do samba na onda que banza.
Desnalgamentos
bamboleios sapateios,
cirandeios
cabindas cantando lundus das cubatas.
Patichouli
cipó-catinga priprioca
Baunilha
pau-rosa orisa jasmim.
Gaforinhas
riscadas abertas ao meio,
crioulas
mulatas gente pixaim...
“Nêga
qui tu tem?
Maribondo
Sinhá!
“Nêga
qui tu tem?
Maribondo
Sinhá!
Sudorancias
bunduns mesclam-se intoxicantes
no
fartum dos suarentos corpos lisos lustrosos.
Ventres
empinam-se no arrojo da umbigada,
as
palmas batem o compasso da toada.
“Eu
tava na minha roça
maribondo
me mordeu!...”
Ó
princesa Izabel! Patrocínio! Nabuco!
Visconde
do Rio Branco!
Euzébio
de Queiroz!
E
o batuque batendo e a cantiga cantando
lembram
na noite morna a tragédia da raça!
Mãe
Preta deu sangue branco a muito “Sinhô moço”...
“Maribondo
no meu corpo!
Maribondo
Sinhá.!
Roupas
de renda a lua lava no terreiro,
um
cheiro forte de resinas mandigueiras
vem
da floresta e entra nos corpos em requebros.
“Nêga
qui tu tem
Maribondo
Sinhá!
Maribondo
num dexa
Nêga
trabalha!...”
E
rola e ronda e ginga e tomba e funga e samba,
a
onda que afunda na cadência sensual.
O
batuque rebate rufando banseiros,
as
carnes retremem na dansa carnal!...
“Maribondo
no meu corpo!
Maribondo
Sinhá!
É
por cima é por baxo!
E
por todo lugá!”
(MENEZES, 2005, p. 19-20)
ESSA NEGA FULÔ
Jorge de Lima
Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!
O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.
Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?
https://viciodapoesia.com/2011/02/03/essa-nega-fulo-e-outros-poemas-de-jorge-de-lima-1895-1953/
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